Hoje é 13 de maio. Um dia em que o tempo parece respirar fundo. É o dia da Abolição da Escravatura no Brasil, um marco de liberdade, mas também de memória, dor e recomeço. É também o dia de Nossa Senhora de Fátima, símbolo de fé, proteção e milagres que acontecem no silêncio. E, para mim, é o dia em que a minha mãe nasceu para a nossa família, mesmo que o seu aniversário biológico seja em outubro. Foi neste dia que ela foi adotada. E quando ela entrou para a família, uma nova história começou. Uma história que me incluiria anos depois.
Minha mãe é uma mulher branca. Foi adotada e cresceu num núcleo familiar de cuidado. Mais tarde, foi mãe solo. Engravidou e me teve. E isso, pra mim, é um ato de coragem profunda. Ela colocou no mundo uma menina negra, cheia de energia, personalidade e ancestralidade, criada com tiaras, cachinhos e muito carinho. E é nesse afeto que eu fui me formando.
Cresci cercada por mãos que me protegiam e olhos que me reconheciam como parte do todo. Minha Dinda testava todos os cremes possíveis para o meu cabelo. Minha Vó fazia cachinhos com o dedo com uma paciência celestial. Minha tia, na casa de Pinhal, ajeitava minha tiara com aquele olhar que diz “Tu és a minha princesa”.
E eu não posso deixar de lembrar do meu primo, já falei dele em outro texto aqui no blog. Eu e ele vivíamos grudados. Ele, branco, de cabelos loiros e lisos. Eu, preta, com meu cabelo cheio de personalidade. E te confesso: nunca me senti diferente. Ele sempre me fez sentir parte dele. Sempre me defendeu. Sabe… eu entendo que amor é isso. Amor é presença, é parceria, é se enxergar no outro mesmo quando o mundo tenta apontar diferenças.
Estudando neurociência, entendi que tudo isso era mais do que carinho: era construção de identidade. A oxitocina, dopamina e serotonina, os hormônios da ligação, da recompensa e do bem-estar, estavam presentes em cada toque, cada elogio, cada cuidado. Meu cérebro foi programado para reconhecer o amor como base. E isso moldou meu senso de pertencimento.
Na PNL sistêmica, aprendemos que os vínculos mais fortes não vêm necessariamente do sangue, mas da escolha. São os sistemas emocionais que determinam nossa segurança interna. A minha família escolheu amar. E isso reprogramou gerações. Laços verdadeiros não se impõem, se constroem.
Amor e família, pra mim, estão muito além de cor, estereótipos e DNA. Eu tenho amigos que são minha família. E talvez você também tenha familiares com quem não consegue nem trocar uma palavra por mais de cinco minutos, e tudo bem. Às vezes são irmãos, pais, mães, tios, primos… e a gente pensa: “Mas é meu sangue.” E mesmo assim, não há vínculo.
A neurociência explica: afinidade emocional, segurança relacional e vínculo verdadeiro não se forçam. Amor não é uma obrigação. Família, pra mim, nasce no coração. Na alma. Na cumplicidade que sangue algum pode te dar. Amar é ser livre. É escolher. É reciprocidade, e não imposição.
O céu de hoje também fala sobre isso. Com o Sol em Touro, signo da estabilidade, da ancestralidade e da construção emocional, e a energia de Fátima pairando no ar, o convite é para olharmos para as nossas raízes com reverência e consciência. Não aquelas apenas da árvore genealógica, mas as raízes da alma. As que sustentam quem somos de verdade.
O 13 de maio nos lembra que o fim de um sistema opressor não apagou séculos de desigualdade. A escravidão deixou marcas que ainda hoje se expressam no acesso à educação, à saúde, às oportunidades. E é por isso que preciso reconhecer: eu fui e sou uma mulher negra com privilégios que muitos negros e negras não tiveram. Fui criada em um ambiente que me protegeu, que me ofereceu estrutura, que me acolheu. Isso não é regra , é exceção. E a minha família, branca, também aprendeu muito comigo. Aprendeu sobre racismo estrutural, sobre respeito, sobre silêncio que fere e sobre presença que cura.
E, mesmo com tudo isso, nós ainda temos muito a aprender. Como sociedade, como famílias, como seres humanos. E isso é trabalho diário, meu, seu, de todos nós. Como costumo dizer: é sobre caminhar com consciência, não com culpa. A cura vem do olhar gentil e da ação comprometida.
E você? Já reconheceu quem realmente te formou?
Já agradeceu por quem te escolheu com o coração? Já se libertou da culpa por não conseguir amar alguém só porque é “da família”? Amar é escolha. E é isso que faz a diferença entre sobrevivência e pertencimento.
Hoje, como terapeuta, empresaria, mulher preta, filha de mãe solo, criada numa família branca que me escolheu, eu digo com toda certeza:
A gente nasce é para quem nos ama de verdade. E o amor de verdade é o que nos liberta.
“Eu tenho um sonho: que meus filhos sejam julgados não pela cor da sua pele, mas pelo conteúdo do seu caráter.”
Martin Luther King Jr.Com Amor e Esperança.
Fênix 520